Uma argamassa em que ocorre a substituição de dois insumos convencionais da construção civil, a areia e a água, por resíduos disponíveis na região do Seridó nordestino, se tornou a nova descoberta científica realizada por um grupo de pesquisadores do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Civil e ambiental da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (PPCivam/UFRN), em parceria com o Instituto Federal da Paraíba (IFPB). A concessão da patente, pelo Instituto Nacional da Propriedade Intelectual (Inpi) à UFRN, ocorreu no início do mês de outubro, no dia 07.
A formulação representa uma alternativa tecnológica de grande impacto ao usar o rejeito do beneficiamento da scheelita e a manipueira — líquido resultante do processamento da mandioca, transformando passivos ambientais em insumos construtivos de alto desempenho. O resíduo mineral da scheelita atua como agregado miúdo, enquanto a manipueira substitui a água de hidratação, sem comprometer a resistência e durabilidade da argamassa, em uma abordagem que reforça o compromisso pela busca por soluções sustentáveis para o setor da construção civil.
A aplicação da nova argamassa é ampla e viável. Pode ser utilizada em assentamento de blocos, reboco e revestimento de paredes internas e externas, em qualquer contexto que se emprega argamassa tradicional. O coordenador da equipe de cientistas, Wilson Acchar, pontua que os ensaios realizados demonstraram que a manipueira contribui para uma hidratação mais eficiente do cimento, favorecendo a formação de compostos como CSH e CASH, responsáveis pela maior densidade e resistência. “Além disso, o ajuste granulométrico do resíduo de scheelita aumentou a compacidade do material, reduzindo sua absorção de água”, frisa o docente da UFRN.

Entre as principais vantagens apontadas pelos pesquisadores, estão a redução do uso de areia e água potável — recursos cada vez mais escassos. O aproveitamento de resíduos que, antes, representavam um risco ambiental, como a manipueira, altamente poluente, também se destaca como um benefício direto ao meio ambiente. Dessa forma, o desenvolvimento se insere em um contexto de economia circular, no qual o desperdício é minimizado e os rejeitos são integrados à cadeia produtiva.
Os pesquisadores relatam que, de acordo com o ponto de vista técnico, os resultados obtidos reforçam a viabilidade do material. Testes de resistência e compressão indicaram valores de até 17,4 MPa aos 28 dias, enquanto a resistência à tração atingiu cerca de 4,9 MPa. “Esses números colocam a argamassa dentro dos padrões exigidos para aplicações estruturais e de revestimento, mantendo o mesmo desempenho de produtos comerciais. A densidade aprimorada se traduz em maior durabilidade e menor absorção capilar, fatores essenciais para a longevidade das edificações”, salienta o professor do Instituto Federal da Paraíba (IFPB), Vamberto Monteiro da Silva.

A proposta transforma rejeitos que, antes, representavam risco ambiental em insumos valiosos para a construção civil. “A ideia nasceu da observação de dois problemas ambientais locais (o resíduo mineral da scheelita e a manipueira) e da tentativa de convertê-los em uma solução técnica e economicamente viável”, explica hoje o professor do Instituto Federal do Ceará (IFCE), Rayanderson Saraiva de Souza, que, na época, era pós-graduando na UFRN. A pesquisa foi conduzida por Rayanderson, sob orientação do professor Wilson Acchar (UFRN) e coorientação do professor Vamberto Monteiro da Silva (IFPB). A pesquisadora Janaína Anne Mota Melo também participou, apoiando as etapas práticas da investigação.
A importância da invenção vai além do desempenho físico. Em termos econômicos, o dispositivo contribui para reduzir custos de produção e de transporte de insumos, o que pode impactar positivamente o setor da construção, sobretudo em regiões interioranas. O processo de patenteamento da tecnologia também tem relevância acadêmica significativa. Ele garante proteção intelectual da invenção e estimula a transferência do conhecimento científico para o setor produtivo.
A argamassa sustentável é resultado das investigações conduzidas no Laboratório de Propriedades Físicas de Materiais Cerâmicos (LAPFIMC), coordenado pelo professor Acchar. O grupo se destaca por desenvolver materiais alternativos a partir de resíduos industriais e minerais. Além da argamassa, já foram criados tijolos e blocos com adição de resíduo da produção do sal, bem como, objetos que são usados na área da saúde e podem ser conferidos nestes links.
O grupo ainda contribuiu coletivamente para o livro Use of Cassava Wastewater and Scheelite Residues in Ceramic Formulations, publicado pela editora Springer. A obra consolida a relevância científica das pesquisas e amplia a visibilidade internacional da produção brasileira voltada à sustentabilidade na construção civil. Cada integrante do laboratório colaborou com capítulos específicos, abordando desde o comportamento químico dos materiais até as suas aplicações práticas.
Durante a fase experimental da pesquisa de mestrado, foi desenvolvido um protótipo em escala reduzida, aplicado em uma estrutura de alvenaria. O objetivo era avaliar a trabalhabilidade e o desempenho da argamassa em comparação com a convencional. Os resultados foram positivos: o material mostrou boa aderência, consistência adequada e resistência satisfatória, indicando que pode ser utilizado em obras reais, sem necessidade de grandes adaptações nos processos construtivos. A colaboração entre os docentes e discentes foi fundamental para o sucesso do projeto que, agora, avança para estudos de aplicação em maior escala e para o aperfeiçoamento das formulações.



